Momento Espírita
Curitiba, 19 de Abril de 2024
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ícone A exata conjugação do verbo

Eles permaneceram casados por sessenta e dois anos. Um casamento complicado.

Ele era alcoolatra. Gostava de cantar e sempre tinha uma brincadeira, na ponta da língua, que divertia os amigos e conhecidos.

Era uma pessoa maravilhosa para todos, menos para a esposa. Batia nela, até a filha de oito anos começar a se impor e impedir as agressões.

Um dia, ele vendeu a casa onde moravam. Sumiu por uns tempos e, quando retornou, sem nenhum centavo, avisou que a casa deveria ser desocupada em vinte e quatro horas porque o novo proprietário viria tomar posse.

A esposa passou frio porque quase não tinha agasalho. Passou fome pois deixava de comer para que os filhos se alimentassem.

Sofreu traições porque ele, homem bonito, se permitia aventuras. Ameaçava-a de morte e dormia com um punhal embaixo do travesseiro.

Com tanto sofrimento, natural que, no transcorrer dos anos, o tempo a abraçasse com alguns problemas como insônia e depressão.

Os que a conheciam a amavam porque ela ria, brincava, semeando ao seu redor a alegria, que ela mesma não podia fruir.

Portadora de uma grande fé, espalhava o bem para as pessoas, fossem crianças ou adultos.

Perante os doentes, ela ia passando a mão, com delicadeza, na cabeça, nas mãos, enquanto orava com fervor.

Logo, eles afirmavam se sentir bem.

Certa feita, indo a uma consulta e narrando seu drama conjugal, a médica indagou:

Qual seu sentimento para com seu marido? A senhora o ama?

A filha, que a acompanhava, teve certeza de que ela responderia negativamente. A resposta que veio, depois de pensar uns segundos, foi surpreendente:

Como homem, não o amo. Como filho necessitado, sim!

A filha chegou às lágrimas ao reconhecer, uma vez mais, a grandeza daquela mulher.

Certo dia, aquele homem que gozara de tantos prazeres, teve um acidente vascular cerebral e foi hospitalizado. Os filhos se revezaram à sua cabeceira, no seu atendimento.

Mas a senhora também foi ao hospital. Ele estava entubado, incomunicável. Somente os aparelhos bipando, de forma regular, atestavam a sua estabilidade orgânica.

Ela chegou e tomou a mão dele entre as suas. E começou a falar.

Os aparelhos, de imediato, registraram a alteração dos batimentos cardíacos, que dispararam para mais de cem por minuto, a respiração acelerou.

Tudo isso dizia da consciência da presença dela ali. Ela falou das suas limitações como esposa, das suas dificuldades.

E lhe pediu perdão por tudo e de tudo. Depois, disse que ele poderia partir em paz porque ela o perdoava.

Interessante que ela não enumerou nenhuma das deficiências dele. Ao contrário, falou somente das próprias dificuldades.

Naturalmente não enalteceu virtudes que ele não possuía, mas de nada o acusou.

Depois, o convidou a orar com ela. Quando concluiu suas longas preces, deu-lhe um beijo na testa e desejou que ele ficasse com Deus.

Ela saiu. Poucas horas depois, ele partiu.

*   *   *

Pessoas assim existem muitas, neste imenso mundo de Deus. Anônimas.

Deixam lições inesquecíveis aos filhos, aos familiares, aos amigos, a quem goza a ventura de sua convivência.

Pessoas assim sabem, com certeza absoluta, a exata conjugação do verbo amar.

Redação do Momento Espírita,
com base em fatos.
Em 5.11.2014.

 

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