Momento Espírita
Curitiba, 28 de Março de 2024
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ícone De pai para filho

O pai entrou de mansinho no quarto do filho que dormia tranquilamente e falou como quem tinha muito a considerar:

Escute, meu filho. Digo isto, enquanto você dorme aí com a mão sob o rosto e os cabelos pregados na testa úmida.

Há poucos minutos, lendo o meu jornal, fui tomado de intenso remorso.

Inquieto, vim para perto do seu leito.

Eis o que eu pensava, meu filho: fui implicante com você; repreendi-o quando se vestia para a escola e porque não lavara o rosto com cuidado.

Falei com aspereza por causa dos sapatos sujos. Gritei, zangado, quando deixou suas coisas no chão.

Ao café, de manhã, achei pretexto também para resmungar. “Você derrama leite na toalha; devora em vez de comer.”

Tinha os cotovelos sobre a mesa; punha manteiga demais no pão.

E, quando saímos, você para brincar e eu para tomar o ônibus, você voltou-se, deu adeus com a mão e gritou: “Até logo, paizinho!” Fechei a cara e, como resposta, disse: “Endireite os ombros.”

Depois, tudo começou à tarde. Quando vinha pela rua vi-o, de joelhos no chão, brincando; suas meias estavam furadas. Humilhei-o diante dos colegas, mandando que seguisse à minha frente, para dentro de casa.

“As meias são caras e se você tivesse que comprá-las teria mais cuidado.” Imagine, filho, ouvir isso de um pai!

Lembra-se de quando, mais tarde, eu lia na sala e você entrou timidamente, com um traço de mágoa no olhar? Levantei o jornal, impaciente pela interrupção, e você hesitou na porta.

“O que você quer?” Rosnei.

Você não disse nada, mas correu pela sala e, num pulo rápido, atirou-se sobre mim, me abraçou, me beijou e seus bracinhos me apertaram com o amor que Deus fez florescer no seu coração e que nem a minha negligência conseguia reprimir.

Bem, filho, foi pouco tempo depois disso que o jornal me escapou das mãos e o meu Espírito se sacudiu por uma preocupação terrível.

Que será de mim, se me escravizo a este hábito de viver xingando, estar sempre repreendendo?

É a única recompensa que lhe dou por ser um menino sadio? Não é que não o ame; é que exijo demais. Meço a sua juventude pelo gabarito da minha idade.

E, há tanto de bom, de excelente e verdadeiro em seu caráter! O seu pequeno coração é tão amplo como a própria aurora a descer sobre os morros.

A prova está naquele impulso espontâneo de vir correndo para me beijar e me dar boa noite. Nada mais vale esta noite, meu filho.

Vim para o lado de sua cama, na escuridão, onde me ajoelhei, envergonhado, como uma pequena penitência.

Sei que você não compreenderia estas coisas se eu as dissesse enquanto você estava acordado, mas amanhã serei um pai de verdade.

Serei mais que um amigo; sofrerei quando você sofrer; rirei quando você sorrir; morderei a língua quando me brotarem palavras impacientes.

Direi repetidas vezes, como uma oração: “Ele é apenas um menino, uma criança.”

Receio e temo que o tenha tomado por homem. Entretanto, meu filho, contemplando-o agora, encolhido e cansado sobre a cama, convenço-me de que você é apenas uma criança.

Ainda ontem você dormia nos braços de sua mãe com a cabeça apoiada no ombro dela.

Pedi demais, pedi demais!

*   *   *

Aquele pai teve oportunidade de pedir desculpas ao filho por ter sido tão rude, mas, infelizmente, há tantos pais que só se dão conta disso depois que os filhos crescem ou partem para o Mundo Espiritual.

Pensemos nisso!

 

Redação do Momento Espírita com base no artigo Pai esquecido,
publicado na Revista
Seleções Reader’s Digest, agosto/1945.
Disponível no livro Momento Espírita, v. 4, ed. FEP.
Em 18.11.2013.

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