Ele adoecera gravemente. O diagnóstico fora quase aterrador. Parecia uma sentença de morte para quem estava prestes a cruzar a linha de chegada dos cem anos.
O tratamento prescrevia quimioterapia e radioterapia. Sessões diárias, por semanas.
Finalmente, conseguimos autorização dos que lhe compõem a família física e o pudemos visitar.
O abatimento dele era visível. Natural, pensamos nós, para quem está com tratamento tão agressivo e soma mais de nove décadas.
Emagrecera muito. A voz não possuía o vigor de a pouco, quando ainda o ouvíamos em suas atividades doutrinárias.
No entanto, o que mais nos chocou foi o olhar. Parecia ter perdido o brilho, aquele brilho que estávamos acostumados a ver.
Olhar que sabia sorrir, de longe, quando avistava um amigo.
Olhar que envolvia a pessoa, mesmo que ela estivesse à distância. Aquele olhar de tantos benefícios.
Conversamos pouco. Sabíamos que não poderíamos nos deter em seus aposentos por muito tempo. Fôramos avisados para sermos breves.
Como se fosse possível marcar tempo para a amizade, que deseja abraçar, aconchegar, contar novidades, trazer para dentro de quatro paredes todo o dinamismo de um mundo que aprendeu a amar esse ser tão especial.
Como se pudéssemos traduzir de forma abreviada todos os recados dos tantos amigos que o amam, que estão distantes mas presentes.
Como se rapidamente pudéssemos dizer dos que oram, dos que lhe enviam votos de recuperação, dos que gostariam de ter notícias suas...
Quando acalmamos nossa torrente de notícias, o olhamos mais uma vez. Ele sorria, embora não fosse aquele sorriso espontâneo, atrás do qual estávamos acostumados a ouvir uma pergunta gentil, uma observação especial.
Então, ele nos disse: Atualmente, a única coisa que posso decidir em minha vida é se deixo a minha janela aberta ou fechada.
A frase foi curta. Ligeira. Talvez se não tivéssemos ouvidos de ouvir nem tivéssemos percebido que o amigo, na atual condição de enfermidade que o maltrata, falava do quanto desejaria poder reger a própria vida.
Como sempre fizera, desde os verdes anos da juventude quando saíra da casa paterna para conquistar o mundo, no mercado de trabalho. Depois, conquistar o universo dos corações, com sua dedicação ao bem e oferta da sua amizade.
Ficamos a cogitar quantas vezes, nós, por desejarmos preservar o nosso afeto, em situações semelhantes, lhe tolhemos a liberdade.
Estabelecemos regras rígidas de alimentação, de acomodação, de horários, do que pode ou não fazer.
Não nos preocupamos em perguntar: O que gostaria de fazer hoje?
Quem sabe estar conosco à mesa? Gostaria que contatássemos algum amigo em especial para o vir visitar?
Que podemos fazer para que você sinta que o amamos intensamente mas que não o desejamos sufocar com nosso amor?
* * *
O maior amor é aquele que renuncia em benefício do ser amado.
Saibamos dosar nossos cuidados, não retirando a liberdade de quem pode estar idoso ou enfermo, mas está lúcido e prezaria tomar suas próprias decisões.
A alegria se faz de pequenas coisas. Não retiremos isso de quem amamos.
Redação do Momento Espírita.
Em 24.3.2025
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