Sem dúvida, só temos de Deus o que cabe em nós.
Quando me faço minúsculo, mesquinho, Deus é mero serviçal de meus desejos e caprichos.
Quando me percebo absoluto, soberbo, Deus é um devaneio.
Mas, quando me sinto criatura e me permito amar a mim e ao meu próximo, Deus é a fonte amorosa que nos alimenta todo santo dia.
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Os versos do poema refletem a respeito da figura divina, concluindo, em síntese: só temos de Deus o que cabe em nós.
Isso explica a visão de Deus que a Humanidade construiu ao longo do tempo. Explica o Deus antropomórfico. Explica o Deus vingativo, com preferências para esse ou aquele povo, o Deus que abençoava as espadas que trucidariam outros seres humanos, igualmente filhos seus.
Era um Deus criado à imagem e semelhança do homem. O Deus que cabia na compreensão humana até aquele momento histórico.
Isso explica o rompimento com Deus em determinada etapa do pensamento crítico. Rompimento com esse Deus tão parecido com a alma humana, tão cruel e indiferente.
Um Deus caprichoso, que agia conforme Suas paixões.
Explica as tantas tentativas de se ver Deus como a própria natureza, causa de todas as coisas, mas que também era todas as coisas.
Não era um Deus que se preocupava com o destino e as ações dos seres humanos.
Um Deus distante num céu inalcançável. Alheio aos sofrimentos dos seres que criou, das dificuldades de um planeta em ebulição de sentimentos.
Explica ainda os tantos ditos ateus, aqueles que romperam com essa ideia distorcida de Deus, edificada ao longo das eras.
Então, quando nos sentíamos perdidos, chegou-nos uma referência segura, uma luz, um farol no oceano.
O Pastor veio para as Suas ovelhas. E falou-nos de um Deus inigualável.
A ideia central está no termo que o Mestre utilizou na oração dominical. Ele chama Deus de Pai.
Ele se serve dessa relação familiar tão próxima, evoca a paternidade, para começar a nos explicar Deus.
Um Pai nosso.
O Deus que veste a erva do campo e providencia alimento para as aves. Criador de tudo.
E nos ensinou a confiar nesse Pai amor e bondade:
Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso pai, que está no céu, dará bens aos que lhos pedirem.
Temos um Pai que dá bens aos filhos, que atua sobre nós com bondade, e que atende às nossas rogativas.
Naturalmente, nada de pedidos frívolos, de meras satisfações de prazeres ou interesses pessoais, mas pedidos verdadeiros, quando rogamos os bens da alma e as necessidades do corpo.
Quando nos sentimos frágeis e rogamos forças. Quando desejamos nos sentir aconchegados: nosso Pai.
Então, complementando os versos iniciais, podemos dizer que não temos somente o Deus que cabe em nós, mas muito mais, temos o Deus de que precisamos, que nos alimenta, que nos sustenta.
Enxergamos, percebemos esse Deus que cabe nas dimensões do nosso entendimento. E dEle recebemos muito mais do que sequer conseguimos imaginar.
E nosso desejo é crescer em entendimento para O percebermos mais, O entendermos melhor, deixarmo-nos penetrar por Ele.
Redação do Momento Espírita, com base em trecho da obra
A paixão segundo G. H., de Clarice Lispector, ed. Rocco,
e no poema Só temos de Deus, de Andrey Cechelero.
Em 23.4.2025
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