Um palestrante, em certa oportunidade, afirmou que, à medida que somos promovidos na hierarquia das organizações, enfrentamos progressiva surdez.
Trata-se de uma metáfora, que nos merece acurada reflexão. Ela nos diz que, ao galgarmos degraus de poder e responsabilidade, perdemos, forçosamente, a identificação com os companheiros de jornada.
Passamos a viver em outro círculo. Com isso, perdemos o contato com grande parte dos antigos colegas de caminhada profissional.
Em nossa vida religiosa, algo semelhante, por vezes, acontece.
Quando nos decidimos a trilhar as sendas de iluminação e elevação, descobrimos que são caminhos em desertos de solidão.
Quando avançamos em conhecimento e consciência, deixamos para trás as tolices da imaturidade, para nos encontrarmos com o chamamento ao dever, ao qual nos afervoramos.
Abandonamos os vales dos prazeres fugazes e dos pensamentos rasos, abraçando com alegria e comprometimento outro modo de ser, que reflete um novo eu.
Paulo de Tarso, o apóstolo dos gentios, marcou com incomparável beleza esse momento de transformação, assinalando: Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino. Quando me tornei homem, acabei com as coisas de menino.
Nesse processo de crescimento, a claridade que nos invade o coração vem acompanhada de um profundo e martirizante silêncio, que nos fere a alma sensível quando nossos amores ficam para trás.
A felicidade de saber que subimos um degrau na montanha da evolução contrasta com a dor de não sermos compreendidos, de não termos com quem compartilhar.
Os corações que nos buscavam para partilhar das mesmas fantasias são agora nossos estranhos.
Porque falamos outra linguagem, amigos do passado não conseguem nos compreender.
Somos como a semente que vive a dor de romper a casca na cova solitária, em busca do próprio desabrochar.
Como a lagarta, trocamos o rastejar por nova roupagem que nos permitirá voos libertadores em círculos mais altos e de maior compromisso.
E tudo isso nos modificou e nos transformou numa versão aprimorada de nós mesmos.
* * *
Nesses momentos, quando nos propomos à nossa melhoria, recordemos Jesus e aprendamos com Ele.
Subiu sozinho o Calvário, enfrentando uma morte desonrosa e sem culpa, tendo por companhia compulsória dois malfeitores.
Tomou a Sua cruz sem reclamar e seguiu, conforme ordenava a justiça dos homens.
Não relacionou, em Sua defesa, os bens que distribuiu, as pessoas que curou, os pecadores que salvou, as viúvas que amparou, as crianças que abençoou, as lições que espalhou.
Entregou-se ao sacrifício, perdoando e rogando ao Pai que perdoasse a todos pela inconsequência em que se encontravam.
Façamos como o Amigo Divino. Guardemos a certeza de que, na solidão do aprendizado, na subida da montanha do conhecimento e da autoiluminação, Ele sempre estará conosco.
E os que ficarem na retaguarda nos haverão de reencontrar, em algum momento, em alguma dobra do caminho, igualmente renovando-se.
Redação do Momento Espírita, com base no cap. 70, do
livro Fonte viva, pelo Espírito Emmanuel, psicografia
de Francisco Cândido Xavier, ed. FEB.
Em 27.6.2025.
Escute o áudio deste texto